Este artigo é a tradução de um artigo publicado na revista Prabhuddha Bharata em 1922. Madame Emma Calvé (1858-1942) foi uma das mais celebradas cantoras de ópera na França. Ela teve carreira internacional e se tornou mundialmente conhecida pela sua voz, extraordinária, presença de espírito e intensidade dramática)
Foi minha felicidade e minha alegria ter conhecido um homem que verdadeiramente “caminhava com Deus”, um ser nobre, um santo, um filósofo, e um verdadeiro amigo. Sua influência sobre minha vida espiritual foi profunda. Ele descortinou novos horizontes diante de mim, alargando e vivificando minhas ideias e ideais religiosos; ensinando-me um entendimento mais amplo da verdade. Minha alma tributará a ele minha eterna gratidão.
Esse homem extraordinário era um monge hindu da ordem da Vedanta. Ele era chamado de Swami Vivekananda, e era amplamente conhecido na America for seus ensinamentos religiosos. Ele estava proferindo palestras em Chicago num ano em que eu me encontrava lá; e como, naquela época, eu estava profundamente deprimida, tanto no corpo como na mente, eu decidi ir vê-lo, tendo visto o quanto ele havia ajudado alguns de meus amigos.
Uma entrevista foi marcada para mim; e quando eu cheguei em sua casa, fui imediatamente iniciada em seus estudos. Antes de ir, fui aconselhada a não falar a menos que ele se dirigisse a mim. Quando eu entrei na sala, portanto, eu permaneci diante dele em silêncio por um momento. Ele estava sentado numa nobre postura de meditação, sua vestimenta de cor ocre caindo em linhas retas até o chão, sua cabeça envolta em um turbante que se inclinava para a frente, seus olhos mirando o chão. Depois de uma breve pausa, ele falou sem levantar seu olhar.
“Minha filha”, ele disse, “que atmosfera problemática você traz consigo! Sinta-se calma! É essencial!”
Então, numa voz quieta, despreocupada e reservada, esse homem, que nem sequer sabia meu nome, falou-me sobre meus mais secretos problemas e ansiedades. Falou de coisas que eu imaginava serem desconhecidas até mesmo para meus mais próximos amigos. Parecia algo miraculoso, sobrenatural!“
Como você sabe tudo isso?” eu perguntei ao final. “Quem falou de mim para você?”
Ele olhou para mim com um calmo sorriso como se eu fosse uma criança que tivesse feito uma pergunta tola.
“Ninguém falou de você para mim,” ele respondeu gentilmente. “Você pensa que isso seria necessário?” Eu leio em você, como leio em um livro aberto.”
Finalmente, chegou minha hora de partir.
“Você deve esquecer,” ele disse quando me levantava. “Torne-se alegre e feliz novamente. Fortaleça sua própria saúde. Não se debruce em silêncio sobre suas próprias tristezas. Transmute suas emoções em alguma forma de expressão externa. Sua saúde espiritual pede por isso. Sua arte exige isso.”
Eu o deixei, profundamente impressionada pelas suas palavras e sua personalidade. Parecia que ele havia esvaziado meu cérebro de todas as suas febris complexidades e colocado nele seus claros e serenos (calmantes) pensamentos.
Eu me tornei, mais uma vez, cheia de vida e alegria, graças ao efeito de sua poderosa vontade. Ele não usou, comigo, nenhum tipo comum de hipnotismo ou mesmerismo. Foi a força de seu caráter, a pureza e a intensidade de seu propósito, que carregavam convicção. Chegava a pensar, quando passei a conhecê-lo melhor, que ele embalava os pensamentos caóticos de alguém numa espécie de aquiescência pacífica, de forma que a pessoa pudesse dar completa e indivisa atenção à suas palavras.
Ele sempre falava em parábolas, respondendo nossas perguntas ou esclarecendo seus pontos por meio de uma analogia poética. Um dia, nós estávamos discutindo a questão da imortalidade e da sobrevivência das características individuais. Ele estava expondo sua crença na reencarnação, que era uma parte fundamental de seus ensinamentos.
“Eu não posso suportar essa ideia!” exclamei. “Eu me apego à minha individualidade, ainda que ela não tenha a menor importância! Eu não quero ser absorvida numa unidade eterna. Esse simples pensamento me aterroriza.”
“Um dia uma gota d’água caiu no vasto oceano,” o Swami respondeu. “Quando ela se viu ali, começou a chorar e a se queixar, da mesma forma que você está fazendo. O grande oceano riu da gota d’água. “Por que você chora?” perguntou. ‘Eu não entendo. Quando você se juntou a mim, você se juntou a todos os seus irmãos e irmãs, as outras gotas d’águas das quais sou feito. Você se tornou o próprio oceano. Se você quiser deixar-me, basta você subir por um raio de sol até as nuvens. De lá, você poderá descer novamente, uma pequena gota d’água, uma graça e uma bendição para a terra sedenta’”.
Com o Swami e alguns de seus amigos e seguidores eu segui numa memorável viagem, pela Turquia, Egito e Grécia. Nosso grupo incluía o Swami e o padre Hyacinthe Loyson e sua esposa, uma bostoniana; a senhorita MacLeod de Chicago, uma ardente seguidora de Swami, mulher charmosa e entusiasta; e eu, o pássaro cantor da troupe.
Que peregrinação! Ciência, filosofia e história não tinham segredos para o Swami. Eu era toda ouvidos para o sábio e erudito discurso que acontecia a minha volta. Eu não tentava juntar-me às suas discussões, mas eu cantava em todas as ocasiões, como era meu costume. Swami discutia todo tipo de questões com Padre Loyson, que era um erudito e um teólogo de reputação. Era interessante perceber que o Swami era capaz de dar o exato texto de um documento, a data de um Concílio da Igreja, quando o próprio Padre Loyson não tinha certeza.
Quando nos encontrávamos na Grécia, nos visitamos a cidade de Eleusis. Ele explicou para nós seus mistérios e nos conduziu, de altar em altar, de templo em templo, descrevendo as procissões que aconteciam em cada lugar, entoando as antigas orações, mostrando-nos os rituais sacerdotais.
Mais tarde, no Egito, numa inesquecível noite, ele nos conduziu novamente ao passado, falando-nos, com palavras tocantes, numa linguagem mística, sob a sombra de uma silenciosa esfinge.
O Swami era sempre absorvente e interessante, mesmo sob condições normais. Ele fascinava seus ouvintes com sua linguagem mágica. Frequentemente, nós perdíamos nosso trem, sentados calmamente na sala de espera da estação, encantados com seu discurso e bastante esquecidos da questão do tempo. Mesmo a senhorita MacLeod, a mais sensata entre nós, esquecia-se da hora, e nós, consequentemente, nos encontrávamos distantes do nosso destino, nos locais e horários mais inconvenientes.
Um dia, nós perdemos nosso caminho para o Cairo. Imagino que nós estávamos conversando muito atentamente. De qualquer maneira, nós chegamos a uma rua imunda e mal cheirosa, onde mulheres mal vestidas debruçavam-se nas janelas e se esparramavam nos degraus das casas.
Swami não percebeu nada até que uma um grupo ruidoso de mulheres, sentadas num banco, à sombra de um prédio dilapidado, começaram a rir e a chamar por ele. Uma das mulheres de nosso grupo tentou nos apressar, mas o Swami desligou-se gentilmente do nosso grupo e se aproximou do banco onde elas estavam sentadas.
“Pobres crianças!” ele disse. “Pobres criaturas! Colocaram sua divindade em sua beleza. Olhe para elas agora!”
Ele começou a chorar. As mulheres ficaram em silêncio, envergonhadas. Uma delas se inclinou diante dele e beijou a borda de seu manto, murmurando, de forma intermitente, em espanhol: “Hombre de Diós, hombre de Diós!” (Homem de Deus!). Uma outra, com um súbito gesto de modéstia e medo, voltou seus braços para seu rosto, como quem quisesse velar sua retraída alma diante daqueles olhos puros.
Essa maravilhosa viagem provou ser quase a última ocasião na qual eu pude ver Swami. Logo em seguida, ele anunciou que estava para voltar para seu país. Ele sentia que seu fim estava se aproximando, e ele queria voltar para a comunidade da qual era diretor e na qual passou sua juventude.
Um ano depois, nós ouvimos a notícia de seu falecimento, depois de escrever o livro de sua vida, do qual nenhuma página foi destruída. Ele deixou o corpo no estado de samadhi, que significa, em sânscrito, morrer voluntariamente, pela vontade de deixar o corpo, sem qualquer acidente ou doença, dizendo para seus discípulos, “Eu morrerei em tal dia.”
Anos mais tarde, quando eu estava viajando pela Índia, eu quis visitar o monastério onde Swami tinha passado seus últimos dias. Sua mãe me levou até lá. Eu vi a bonita túmulo de mármore que uma de suas amigas americanas, a senhora Leggett, erigiu sobre sua sepultura. Eu notei que não havia nenhum nome sobre ele. Eu perguntei a seu irmão, que era um monge na mesma ordem, qual a razão dessa omissão. Ele olhou para mim com espanto, e com um nobre gesto, do qual me lembro até hoje. “Ele se foi”, respondeu.
Os vedantistas acreditam que eles preservaram, em sua simplicidade e pureza originais, os ensinamentos do hinduísmo. Eles não tem templos, fazem suas orações num simples oratório, sem nenhuma figura simbólica ou figuras para estimular sua piedade. Suas orações são todas dirigidas para um Deus Desconhecido.
“Ó, Tu que não tem nome! Ó, Tu a quem ninguém ousa dar um nome! Ó, Tu, o Grande Desconhecido!”, eles dizem em suas súplicas.
Swami ensinou-me um tido de oração respiratória. Ele costumava dizer que as forças da divindade, estando espalhadas por todos os lugares através do éter, podem ser recebidas pelo corpo através da inalação.
Os monges da irmandade do Swami nos receberam com uma simples e cordial hospitalidade. Eles nos ofereceram flores e frutas, montando para nós uma mesa no gramado, debaixo de uma benvinda sombra.
Aos nossos pés o poderoso Ganga fluía. Músicos tocavam para nós, em seus estranhos instrumentos, singulares canções de lamento em louvor ao Swami que partira. A tarde passou num espírito de calma e pacífica contemplação.
As horas que convivi com esses gentis filósofos permanecem em minha memória como um tempo separado. Esses seres, puros, bonitos, e remotos, pareciam pertencer a um outro universo, um mundo melhor e mais sábio.
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