Por: Sandro Malburg Bosco
Um aluno novo me perguntou uma vez quando ele conseguiria parar de pensar depois de começar a fazer aula comigo?
No primeiro dia, respondi que dependeria dele perceber ou não isso acontecendo dentro dele.
Uma mente não treinada não consegue normalmente perceber quando está pensando ou quando para de pensar.
Quando a prática dos yogasanas - posturas de Yoga – começa, muitas delas, as mais desafiantes, exigem que prestemos atenção no que estamos fazendo e essa quantidade de atenção despendida já tem grande valor, com um efeito anti-stress. O grande valor também vem do fato de quando sua atenção está na ação não há pensamento.
Não havendo pensamentos não há a carga de emoções que possam, se negativas, prejudicar a sua saúde
Yoga é ação e ação nem sempre combina com o exercício de ficar pensando.
Pensar é um hábito. Pensar é uma imposição da sua mente. Quando estamos com algo na cabeça que nos atormenta e desejamos não pensar, esse desejo ainda é um pensamento. Quando achamos que não estamos pensando este ‘achar’ ainda é um pensamento. Quando durante a prática de Yoga ficamos conscientes de que estamos pensando e podemos testemunhar os pensamentos passando na nossa mente e ainda assim sentir o corpo ou a respiração algo então começou a mudar em nós.
Na prática de Yoga convido o aluno a sentir o seu corpo através dos movimentos externos, visíveis e pelos movimentos internos de seus músculos e ossos nem sempre visíveis, mas mais profundos.
O aluno nem sempre resiste ao convite, pois a decisão de vir até lá para fazer a aula já ocorreu. Mas sua mente ainda resiste.
A mente não gosta de sentir, ela gosta de pensar.
Mas pensar nem sempre relaxa e sentir quase sempre relaxa, ou leva ao relaxamento.
Se você vai clareando essa diferença entre você e sua mente isso torna as pequenas decisões mais poderosas.
As decisões na aula de Yoga podem ser pequenas, mas são poderosas quanto mais vem de uma mente silenciosa.
São pequenas decisões como ir mais fundo naquele exercício, ou se entregar mais ao desconforto gerado sem reclamar, ou de mesmo com a mente aparentemente agitada continuar a decidir em cada postura a voltar a atenção para o corpo, fazer o movimento interno de ir e de voltar do pensamento à ação.
Para a maioria das pessoas, o substantivo ‘mente’ e o adjetivo ‘silenciosa’ são duas palavras que não coexistem. Mas se eu lembrar a você praticante de Yoga quantas vezes você já sentiu (geralmente) no final da sua aula, após o relaxamento, um estado tão calmo onde ainda não era possível se ver pensando, e sim só sentindo o corpo, talvez você reconheça que em algum momento as duas poderosas palavras coexistem sim !
Esse estado de calma é algo de valor inestimável, pois é nele e dentro dele que mora a saúde mental e física.
E são essas pequenas decisões durante a prática como ‘permanecer mais tempo na postura’ é que fazem a diferença e no final da aula terão grande poder como um todo.
Com o tempo chega o momento em que o aluno tem que escolher entre pensar ou fazer Yoga.
Vai ficando mais evidente que esse é o passo fundamental e essa é a pequena grande decisão.
É aí que está o poder!
Não é uma grande decisão como viajar, mudar de casa ou comprar um carro, ou outras mais significativas ainda. É uma decisão comparativamente a essas bem pequena e esta decisão nem sempre está visível à luz da sua consciência.
Conta uma história do Zen Budismo narrada por D.T.Suzuki que Yao-Shan Wei-Yeng estava sentado, tranquilamente, quando um monge aproximando-se, perguntou:
- Em que estais pensando, assim imóvel?
Yao-Shan respondeu:
- Pensando no que está além do pensamento.
- E como fazeis para pensar no que está além do pensamento?
- Não pensando – disse ele.
A mente não foi feita para parar de pensar, foi feita para pensar.
Mas dizem os yogues que duas são as causas que mais adoecem: comer muito e pensar muito.
Para praticar Yoga e extrair mais benefícios é preciso educar-se a repetir as pequenas decisões de trocar o pensamento pela ação.
É como quando você se dispõe a carregar uma bandeja cheia de copos de vidro e no meio da caminhada vai perceber que a única coisa que pode te atrapalhar e se ver diante de um monte de cacos de vidro no chão são seus próprios pensamentos que vão tirar a concentração naquela tarefa delicada e que só chegará a salvo se não pensar e se concentrar na ação.
No início a maioria dos alunos está preso ao que consegue e ao que não consegue fazer, como se isso fosse importante. E isso alimenta os pensamentos e quando esses estão sendo alimentados você está longe de perceber que está distraído pensando e consequentemente fazendo Yoga automaticamente.
Yoga não é ação automática, condicionada!
É comum também você ficar em uma contagem de acertos e erros em relação ao seu corpo e isso ocorre mais quando se está preso no fato de terem mais pessoas praticando na sala com você e se comparar com os outros.
Erros e acertos não combinam com Yoga.
Yoga combina com fazer (ação) e sentir o que está acontecendo (extrair a experiência vivida) a cada instante.
Para isso algumas decisões devem ser feitas. Essas decisões são pequenas, mas tem o poder necessário de extrair de uma aula de 1h30 de duração mudanças de grande porte a médio e a longo prazo tanto na sua saúde física quanto na mental.
Ontem li uma frase que teria dito ao meu aluno do início desse artigo:
- “O importante não é controlar seus pensamentos, mas não deixar que eles controlem você”.
Com alguma adaptação teria mais sucesso se dissesse a ele:
- “Durante a aula o importante não é parar de pensar, mas sim não deixar o pensamento parar você”.
Em uma aula muitos iniciantes são remetidos à um estado e sensação de vítima naquela situação frente a alguma dificuldade de limite corporal.
Este estado traz mais ainda a força do pensamento, aquele que faz você parar, congelar e fugir da ação.
A ‘vítima’ pode levar a culpa e ela o paralisa, e a culpa de novo não combina com a prática de Yoga.
Se você não parar de praticar, se você continua na ‘ação’, não encolhe seu ânimo e entusiasmo. Aí é ótimo, pois o pensamento do tipo ‘limitante’ ficou em segundo plano. Toda sensação de limite é auto-imposta.
A primeira grande decisão é começar a praticar Yoga e a segunda é uma sequência imensa de pequenas decisões que fortalecem a sua prática e aumentam os resultados dela dia a dia.
No início de uma aula é o momento oportuno para você dizer a si mesmo porque está ali. Por exemplo, se você tem um destino ao sair para caminhar nada como lembrar dele logo no início. Se você não tem um destino, mas se o seu objetivo é o benefício da caminhada, ele deve ser recordado para motivá-lo.
Nossas ações tem uma motivação que as impulsiona e direcionar a mente soma a força dela à ação.
O professor tem grande parte nesse processo todo. Se um professor exige resultados demais, pode trazer para algumas pessoas o aumento da carga de pensamentos e tensões ao invés de apaziguar a mente. A decisão pelo professor certo para você entra nesse processo de apaziguar a mente.
Conta uma outra história que ....
Um monge, buscando instrução, disse ao Bodhidarma: “ Minha mente não tem paz. Por favor, pacifique a minha mente".
“Traga sua mente, perante mim”, respondeu Bodhidarma,”e eu a pacificarei”
“Mas quando busco minha própria mente não posso encontrá-la”, respondeu o monge.
“Pronto!”, retrucou Bodhidarma, “Pacifiquei sua mente!”
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